Mãe Bernadete – Crônica de uma morte anunciada

A população negra da Bahia, em particular o povo de santo e a comunidade quilombola brasileira, está indignada e de luto. Bernadete Pacífico, Yalorixá, ex-Secretária de Promoção da Igualdade Racial da cidade de Simões Filho na Bahia e líder do Quilombo Pitanga dos Palmares, localizado na mesma cidade, foi brutalmente assassinada com 12 tiros de pistola no rosto, nesta última quinta-feira (17 de agosto de 2023), dentro da sua residência e na frente de três dos seus netos, na Comunidade do Quingoma, que é parte do Quilombo que ela liderava.

Esse assassinato brutal de Mãe Bernadete, uma senhora de 72 anos de idade, cheia de vida e alegria que compartilhava com os seus nas rodas de samba, visto que era também uma grande mestra da cultura popular, revela de forma trágica o grau de violência e de impunidade que os senhores da terra na Bahia continuam usufruindo. Apesar de estar no Programa de Proteção às testemunhas, de ter solicitado publicamente no último mês de julho, a Presidente do Supremo Tribunal Federal, Rosa Weber que fossem adotadas providências por parte do Governo Federal, para sua proteção, tendo em vista as fortes ameaças de morte que estava sofrendo por parte de organizações criminosas vinculadas a grilagem de terras, tráfico de drogas e especulação imobiliária da cidade de Simões Filho. Ainda assim, absolutamente nada foi feito e Mãe Bernadete foi assassinada.

“O descaso das autoridades, principalmente quando se trata do povo preto.  Até hoje não sei o resultado do assassinato do meu filho, é o que nós recebemos – ameaças, principalmente de fazendeiros da região”. As palavras de Mãe Bernadete, nessa reunião, que cito acima, pareciam premonitórias do que viria a acontecer. A cobrança que ela fazia de maneira enfática, representava o grito de uma mãe aflita e inconformada com o assassinato do seu filho mais novo, Binho do Quilombo (Flávio Pacífico), com 16 tiros de pistola, também no rosto, ocorrido no dia 19 de setembro de 2017. Para ela, estava claro que tanto as ameaças que estava sofrendo como o assassinato do seu filho, tinha as mesmas razões – a luta em defesa das terras do quilombo Pitanga dos Palmares.

Ou seja, não foi por falta de aviso, de mobilização e de pedidos insistentes de socorro realizadas por ela e pelo movimento quilombola baiano e brasileiro que essa tragédia veio a acontecer. É inacreditável e inadmissível, mas temos que admitir. Apesar de toda a nossa luta, a carne mais barata do mercado continua sendo a carne negra. Mãe Bernadete é mais uma heroína imolada em meio a secular impunidade das elites brasileiras, agora associadas ao crime organizado.

Por isso mesmo, não podemos admitir que esse crime fique impune, nem muito menos o do assassinato de seu filho. As corajosas denúncias feitas por Mãe Bernadete, não podem cair no vazio. Temos que cobrar de maneira vigorosa das autoridades municipais, estaduais e federais que esses criminosos sejam presos, julgados e punidos, como também exigimos a garantia, mais do que nunca, da permanência das 290 famílias que fazem parte do Quilombo Pitanga dos Palmares, no seu território.

É sabido por todos aqueles que militam na área quilombola que os suspeitos desses bárbaros crimes estão sediados na cidade de Simões Filho, possuem o objetivo claro de grilar e se apropriar das terras remanescente de quilombo de Pitanga dos Palmares e coloca-las no mercado imobiliário. Todos sabem que eles são vinculados ao crime organizado da cidade, possuem fortes articulações com a política local e que desse grupo fazem parte madeireiros, especuladores imobiliários e políticos da cidade. A Bahia não pode se transformar numa terra sem lei. Viva Mãe Bernadete, Via Binho do Quilombo. Viva a luta quilombola.

Toca a zabumba que a terra é nossa!

Fonte: revistaraca.com.br
Colunista: Zulu Araújo

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